6.1.11

Contingências


A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Arte poética II", Poemas escolhidos (Companhia das Letras, 2004)


Estou há dias com este trecho na cabeça. Talvez por ter vindo misturado à urgência de escrever, e ao mesmo tempo com a resistência ao blogue, com a angústia de cura, com a latência de vida - parece inversamente proporcional, tudo, sempre, e eis a origem da tragédia humana: queremos o que não temos, o que nos falta, o que estamos à beira de perder (e viva a literatura). Como forma de finalmente poder começar a escrever aqui busquei inverter o processo, a partir das palavras magníficas da poeta; "isso, jamais perderei a inteireza, esse fundo de lá que é a pedra fundamental da loucura de escrever toda". Não importa aonde você vá desenxurrar a bolha, pensei, nada estará partido em você, porque é visceralmente seu, caramba.

Pensando agora, em mim foi o equivalente àquela cena do 2001, uma odisseia no espaço... (Só que no caso todos aqueles séculos resumem-se a algumas poucas décadas. Quanta terapia, céus, é necessária afinal para eliminarmos em nós o que urbana e contemporaneamente denomina-se autossabotagem?)

Um outro argumento plausível para a resistência é a siamesice, inversa, com as palavras. É uma simbiose, um entranhamento, onde escrever é essenciar-se ininterruptamente. Daí talvez o pensamento - infantil, reconheço - seria o de que escrever virtualmente poderia despedaçar-me: este meu texto não está mais comigo.

Bueno, isto ainda continuará a martelar aqui. Fiquemos com Sophia.


Daqui a um pouco regularizo o fluxo. 



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