À ponta da esfera
José Geraldo Neres
O tempo:
inscrição do universo no qual palavras são olhos de vaticínio, são olhos de
Rosane Carneiro. Poética ritualística no tempo outro, o outro onde tudo existe:
preciso instante. “Tudo gira bem” e “a sina da roda é gigante”, olhos de
“mântrica engrenagem”, onde procuro percorrer seus passos de “recaminho”.
Rosane me diz: “– preciso é ver / há um vão adiante”. Nas suas palavras não
estaco, recolho: “papel de pedras / pedra sempre papel / pedreira pedraria / em
torno do caminho”, pelas quais o ornamento da vida é a dor da palavra: o homem
uno em sua essência, o sagrado a transcender o contato da pele e Rosane. Ela
pisa o sal da água, e acolhe a “esfera que me atravessa”. Barro, poeira, e
outros modos: parte dos seus olhos: Rosane Carneiro. Brindaremos com a serpente
encantada, e seremos todos livres. Intensa promessa: semente despida das
simpatias do concreto, a realidade são os olhos do farol: vermelho. Estou
noutro lado da rua; Rosane “eu felina observo”: o sagrado cotidiano a reclamar sua
paga, a cobrar o pedágio que lhe é de direito, a “escrever a favor dos dias”.
A caminhar por
seus versos, estou na casa onde as “paredes gritam azuis cinzas prateados” –
poeta revelado (a) –, mas não se esqueça, o cotidiano lhe exige os olhos , “a
manutenção da guerra de sobreviver sem saber” e se equilibrar no “trapézio de
outro perigo”. O mundo em trabalho de parto. O ornamento da vida é a dor da
palavra consagrada
“da terra à terra: viestes do pó e pela terra tornas-te tão barro”. – Rosane , onde está a etiqueta para saber
qual valor do sangue? – “Viestes do pó e te
transformastes em aço”.
Dentro das
palavras da poeta – vate – Rosane Carneiro, vejo a inscrição dos sete raios, o
escudo, o brasão, a cura, o rito, a tormenta, “muito além dos lírios de Salomão”,
mas em questão de segundos, ela – flor à carne-viva – imita uma bomba e
estilhaça a certeza dos homens. Dos escombros, resgata uma criança (um próximo
poema, talvez). Não tenho certeza, mas nesses outros tempos certeza é um artigo
desgastado e empoeirado. Importa apenas acompanhar o ritmo transformado em aço
mântrico, acompanhar as pedras, o pó, camadas e mais camadas de barro a
acumular em seus pés: “soberana, perfumada e aberta, a bomba sorri”.
Rosane me
ensina “a correr o mar pelos dedos”, o segredo do “rosário de brincadeiras”,
das “cruas meninas antigas capazes da morte do medo”. Medo, palavra bruta;
pedra que não sabe ser um brinquedo. Em Vate
as “máscaras” “não usam maquiagem” e “a sina da roda é gigante”: oferece sua
língua território mítico, “tempo dentro do tempo: /minério de fogo, o homem/
pleno do que por si pode/ exercer”.
(apresentação)
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